A hora de Temer

A frequente apresentação de denúncias pelo procurador-geral da República, que se intensificou nos últimos dias, mais do que o esvaziamento de gavetas da mesa de trabalho de quem está de saída do cargo, serve como prova de vida por parte de quem teve o prestígio abalado. Rodrigo Janot vem dando seguidas demonstrações de que chegará em Temer nos próximos dias.
A segunda denúncia contra o presidente Temer deveria ser apresentada por Rodrigo Janot nesta primeira semana de setembro, mas as revelações trazidas pelo procurador, que devem resultar na anulação dos benefícios dos delatores da JBS, adiaram a nova investida do chefe do Ministério Público contra Temer.
Janot se enfraqueceu no episódio dos Batistas, cujos benefícios obtidos em troca da delação premiada envolvendo ninguém menos do que o presidente da República sempre foram vistos como exagerados. Os chamados “indícios de crime”, constatados agora por Janot, envolvem o ex-procurador Marcello Miller, que foi seu braço direito na procuradoria antes de passar a atuar em um escritório de advocacia contratado para fazer a defesa dos delatores.
Na noite desta sexta-feira, 8 de setembro, o procurador-geral pediu ao Supremo Tribunal Federal a prisão de Joesley Batista e do diretor da JBS Ricardo Saud, protagonistas da conversa comprometedora cuja gravação chegou à PGR, e de Marcelo Miller.
Mesmo que, do ponto de vista jurídico, prevaleça a interpretação de que as provas reunidas contra Temer não devem ser anuladas, politicamente, o procurador Janot, que deixa o cargo como uma das figuras mais polêmicas a ocupá-lo, perde a autoridade exigida de um acusador togado.

A denúncia vem aí

A nova denúncia do procurador-geral da República contra o presidente Temer é o principal evento no curtíssimo prazo. O ambiente já vem sendo preparado para que a denúncia seja recebida nos próximos dias.
Há quem aposte em mais de uma denúncia, mas isso não é o mais relevante no processo político. O processo legislativo consiste na aprovação de um parecer na Comissão de Constituição e Justiça, que será submetido ao plenário. Para autorizar o Supremo Tribunal Federal a processar o presidente são necessários 342 votos (2/3 do efetivo da Câmara).
Temer está em viagem à China. De Pequim vai a Xiamen para a reunião de cúpula do BRICS, embarcando de volta a Brasília na terça-feira, 5. No dia 7, assiste ao desfile cívico da Independência. A previsão é de que a denúncia saia até dia 8, mas o constrangimento do presidente da República independe de data. O timing da denúncia é de Janot.
Ante essa expectativa, Temer e seus mais próximos assessores não perderam de vista o procurador-geral, classificado na chefia do Executivo como símbolo de uma agenda negativa destinada a parar o país e de “semear a desordem nas instituições”, como disse o presidente em pronunciamento sobre a viagem à China.
Esta viagem, que tem como ponto alto a apresentação de oportunidades de investimentos com base no amplo programa privatizações em energia e infraestrutura, representa uma ação integrada do governo Temer jamais vista. Sete ministros estão com o presidente em Pequim. O empenho em atrair investimentos renova a imagem de um presidente que chegou a ser visto, a partir da denúncia dos irmãos Batista, da JBS, como irremediavelmente acuado.
As iniciativas desta semana no Congresso relativas à agenda econômica tiveram relação com a pressão do calendário (caso da medida provisória da TLP e do projeto das novas metas fiscais), mas representaram articulações importantes para o governo, mesmo que o projeto das metas fiscais não tenha tido a votação completada.
Temer levou para a China 11 deputados federais, entre os quais aqueles que se colocaram na linha de frente na primeira denúncia de Janot. Como se trata de uma segunda denúncia, depois de a primeira ser arquivada, o governo dá sinais de que está melhor articulado para manter o timing político e impedir o avanço da nova investida do procurador.
Enquanto não houver um desfecho para a nova denúncia, não se deve esperar do Congresso nada que extrapole as medidas urgentes e inadiáveis da agenda econômica. E alguma coisa de Reforma Política.

Memória da tramitação

Até chegar ao plenário da Câmara, a denúncia contra o presidente por crime comum deve ser encaminhada ao Supremo Tribunal Federal pelo procurador-geral da República. Caberá à presidente do STF encaminhar ao presidente da Câmara a solicitação para instauração de processo.
O roteiro previsto no Regimento Interno da Câmara prevê que o acusado seja notificado e a matéria, denominada Solicitação para Instauração de Processo (SIP 1/17), encaminhada à Comissão de Constituição e Justiça.
Na CCJ, o acusado ou o seu advogado terá dez sessões para se manifestar. Na primeira denúncia, a defesa de Temer dispensou tamanho prazo, manifestando-se logo em seguida à notificação.
A CCJ deve apresentar parecer cinco sessões contadas após a manifestação do acusado ou da defesa dentro do limite estabelecido.
O parecer da CCJ será lido no plenário da Câmara, publicado e incluído na Ordem do Dia da sessão seguinte ao do seu recebimento pela Mesa Diretora.
De acordo com o roteiro estabelecido pela Secretaria-Geral da Mesa por ocasião da primeira denúncia, em 18 de julho, a votação só pode começar com a presença em plenário de 342 deputados. A votação é nominal e se dá pelo processo de chamada.

PSDB com os ânimos revirados

A expectativa quanto à chegada da segunda denúncia contra o presidente Temer na Câmara dos Deputados mexe com os ânimos de todos os partidos, especialmente com os do PSDB, que se mostrou dividido ao meio na votação da primeira denúncia (22 votos pelo arquivamento; 21 pelo prosseguimento).
Antes de a matéria chegar ao plenário, a divisão do partido já era clara em relação à participação no governo, onde tem quatro ministros. A primeira identificação do racha levou em conta um grupo denominado “cabeças pretas” (deputados de uma nova geração) e os demais, que seriam os “cabeças brancas”. Esse desenho foi superado, à medida que até fundadores do partido – inclusive o presidente nacional em exercício, senador Tasso Jereissati – passaram a defender a entrega dos cargos, que não devem ser poucos na administração pública federal.
Em um confronto menos “diplomático”, defensores do afastamento e do compromisso pouco convincente com as reformas passaram a acusar os demais de “fisiológicos”, aprofundando o racha. Em uma classificação mais simplista, esses últimos foram identificados como contrários à Operação Lava Jato, em função do envolvimento do presidente Temer e de Aécio Neves nas denúncias.
A definição de um calendário para renovação dos diretórios, eleição do novo presidente do partido e escolha do candidato a presidente da República no final do ano colocou a crise os eixos, apontando uma solução. Mas essa trégua foi interrompida pela propaganda do partido em rede nacional, que atacou os instrumentos da “réal politique” e o “presidencialismo de cooptação”, provocando manifestações no front de batalha.
O senador Tasso Jereissati ficou satisfeito com o resultado e a repercussão do propaganda que patrocinou. O ministro Aloysio Nunes Ferreira, das Relações Exteriores, bombardeou o programa e afirmou, de forma categórica: “Não me representa”. Bombeiros tiveram que entrar em ação e promoveram encontros entre Tasso e Aécio Neves para selar um armistício.
A nova denúncia contra Temer tende a fazer com que os ânimos voltem a se acirrar, com manifestações de lado a lado sobre o papel do PSDB no governo.