Reforma da Previdência em nova fase – comissão especial

- Sabe dizer onde eu posso encontrar um trilhão de reais”, perguntou o transeunte a um homem sentado numa cadeira de plástico, na porta da barbearia.
- Pergunta lá no Posto lpiranga, respondeu o homem sentado, um barbeiro, com ar de desalento pela falta de fregueses.

A comissão especial da Câmara, criada para dar parecer sobre a proposta de reforma da Previdência (PEC 06/2019), começa a debater o tema nos próximos dias, a partir de um roteiro de trabalho a ser apresentado pelo relator designado, o deputado Samuel Moreira (PSDB-SP).

Não se pode dizer que seja um debate novo. Afinal, este é o tema central da agenda político-econômica desde a instalação do governo de transição, logo após a vitória final de Jair Bolsonaro na eleição presidencial.

Trata-se, isso sim, de uma nova fase de discussão, na qual a proposta do governo vai ser esmiuçada, passando por um teste decisivo, ainda que não definitivo. Isso porque pode haver mudanças na proposta até a promulgação da Emenda Constitucional, levando-se em conta que alguma reforma vai ser aprovada.

A comissão especial é o único espaço onde os deputados podem oferecer emendas à PEC, subscritas por no mínimo 171 deputados, no prazo já iniciado de dez sessões de plenário. Em tese, a partir da 11ª sessão, o relator pode apresentar o seu parecer, mas, em uma proposta com a complexidade da reforma da Previdência, não se cogita tamanha celeridade.

O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), em um cálculo assumidamente otimista, avalia que a comissão possa encerrar os trabalhos no final de junho, deixando para o plenário da Casa o desafio de votar antes do recesso de julho, vale dizer, até dia 17 daquele mês. Assim, a tramitação no Senado teria início em agosto.

Uma avaliação moderada aponta para aprovação na comissão até julho e deliberação do plenário em agosto.

Se assumirmos uma posição mais conservadora, a conclusão da comissão especial se daria em agosto e a entrega do “bastão” para o Senado seria feita no início de setembro.

Dificuldades aumentam

O governo tomou uma canseira na Comissão de Constituição e Justiça, onde a admissibilidade da proposta (aspectos formais) só foi aprovada em 24 de abril. O chamado Centrão colocou dificuldades, como a exigência de priorizar a PEC do Orçamento Impositivo, e a oposição não mediu esforços para retardar a deliberação.


Na comissão especial, as dificuldades serão bem maiores, até porque, entre os partidos que concordam com a necessidade da reforma, existe resistência a diversos pontos, como alterações na aposentadoria rural e no Benefício de Prestação Continuada (BPC), na aposentadoria especial para professores, pensão por morte e outros. A oposição, que se coloca contra a reforma, vai continuar a fazer uso dos mecanismos de obstrução.

Debate propositivo

O debate em torno da reforma deve seguir pelo menos três linhas diferentes, considerando os setores favoráveis a ela, no todo ou em parte.

A linha fiscal é a que tem prevalecido pelo lado do governo, o que é natural considerando-se que a proposta de reforma saiu do Ministério da Economia. A ideia de economia de R$ 1,0 trilhão em dez anos, elevada recentemente para R$ 1,2 trilhão no mesmo período, foi anunciada pelo ministro Paulo Guedes, a quem, na campanha eleitoral, Jair Bolsonaro passou a chamar de Posto Ipiranga, lembrando campanha publicitária veiculada na época.

Ao repetir o jargão publicitário, que visava reforçar o Ipiranga como marca nacional, Bolsonaro quis se livrar dos questionamentos embaraçosos dos jornalistas sobre os problemas econômicos nacionais. Paulo Guedes, o seu Posto Ipiranga, é quem teria as respostas para a economia. A metáfora de Bolsonaro inspirou o diálogo imaginário que figura na abertura deste texto.

Ao se apegar aos recursos que devem ser economizados em dez anos, o governo parece estar lidando mais com um pacote de medidas, como tantos que já vimos ao longo dos anos nos momentos de crise mais aguda, do que com uma reforma estruturante. Mas o mercado financeiro gosta de números e essa dita economia vai ser repetida um trilhão de vezes.

A linha de combate às desigualdades é a de maior alcance popular. Para o discurso político, é a linha ideal para a defesa da reforma. O problema é que, em casos como o de redução do valor do BPC e da redução das pensões por morte, o princípio isonômico passa a ser entendido da seguinte forma: “Sobrou pra todo mundo.” E o apoio popular escorre pelo ralo. De qualquer forma, o combate às desigualdades deve ser o preferido dos defensores da reforma.

A terceira linha é a da racionalidade, que sozinha não tem apelo, mas que deve estar presente nas duas outras – fiscal e política -, uma vez que contém os principais motivos para aprovação da reforma: evolução demográfica com envelhecimento da população, maior expectativa de sobrevida e insustentabilidade do sistema nos atuais moldes. Nela se enquadra a proposta de estabelecimento de uma idade mínima para aposentadoria no INSS. A proposta indica o caminho da capitalização, semente de um novo sistema, mas para por aí.

Se o governo tiver fôlego, pode detalhar o que propõe como Nova Previdência. Por ora, se você quiser saber detalhes da proposta de capitalização, “pergunta lá no Posto Ipiranga”.

Congresso renovado retoma atividades

Câmara e Senado dão posse aos eleitos em outubro e elegem os seus presidentes para os próximos dois anos. Tudo isso na próxima sexta-feira, um dia atípico para a atividade legislativa, em sessões preparatórias que antecedem o início do ano legislativo. A sessão conjunta de Câmara e Senado para abertura da sessão legislativa vai ser realizada na segunda-feira, 4 de fevereiro, às 15h.
A posse dos 513 deputados eleitos vai se dar às 10h. A Câmara vem bem renovada, com 243 deputados novos, que correspondem a 47,3% do contingente da Casa. Em princípio, 30 partidos vão contar com representantes.
Com 54 deputados eleitos (em 2014 elegeu 69), o PT ainda será a maior bancada, seguido pelo PSL, do presidente Jair Bolsonaro, com 52. O MDB, que elegeu 65 deputados em 2014, passa a contar com 34.
A eleição para presidente da Câmara vai ter início às 18h. O atual presidente, Rodrigo Maia (DEM-RJ), é o favorito no pleito, que tem como participantes Flávio Ramalho (MDB-MG), Alceu Moreira (MDB-RS), Marcelo Freixo (PSOL-RJ), Marcel van Hattem (Novo-RS) e JHC (PSB-AL). Outros nomes podem se apresentar para a disputa. O prazo para registro de chapas termina às 17h, uma hora antes do início do pleito.
A posse dos 54 senadores eleitos (2/3 do efetivo) está prevista para as 14h. Do total de senadores a ser empossado, 46 não estavam no Senado na legislatura que chega ao fim. Trata-se de uma renovação superior a 80%.
O MDB continuará sendo a maior bancada, com 12 senadores, seguido do PSDB com nove, do PSD com sete, do DEM e do PTR com seis. O PT vai ficar com cinco senadores.
A eleição para presidente do Senado., também prevista para as 18h, tem como principal candidato Renan Calheiros (MDB-AL). A senadora Simone Tebet (MDB-MS) disputa com Renan, assim como o Major Olímpio (PSL-SP) e outros nomes que se insinuam, como Tasso Jereissati (PSDB-CE) e Davi Alcolumbre (DEM-AP).

Governo começa; reforma da Previdência vem depois

A reforma da Previdência deve estar presente na pauta do governo e do noticiário político ao longo de janeiro, pela relevância do tema e pelas expectativas que o cercam, do ponto de vista social, da contenção do déficit fiscal e da recuperação efetiva da economia. O recesso do Legislativo, no entanto, vai levar a questão previdenciária à condição de pano de fundo da cena política, pelo menos até o Congresso renovado assumir, em 2 de fevereiro.
Até lá, é previsível a edição de atos da Presidência da República e dos ministérios, que independam da apreciação do Congresso. O governo ainda conta com o recurso das medidas provisórias para iniciativas que exigem mudanças na legislação. As MPs têm validade de 120 dias, mas só vão passar a contar prazo a partir de fevereiro, com a retomada da atividade legislativa.
Nas ações ministeriais, vão merecer maior atenção o superministério da Economia, tendo à frente o ministro Paulo Guedes, e o poderoso Ministério da Justiça e Segurança Pública, conduzido pelo ex-juiz Sérgio Moro.
Nos dois discursos feitos na solenidade de posse, o presidente Jair Bolsonaro assumiu o compromisso com as reformas estruturantes, reafirmando a determinação de propô-las e implementá-las. Paulo Guedes defende a desvinculação de recursos orçamentários, que hoje constituem, em mais de 90%, despesas obrigatórias. Seria uma reforma de peso, em termos de convencimento e de repercussão econômica.
Além das reformas, Bolsonaro sinalizou algumas medidas que estão por vir, como ampliação das infraestruturas, desburocratização e simplificação. Isso confere destaque também ao Ministério da Infraestrutura, que tem como titular Tarcísio Gomes de Freitas. O programa de privatização de aeroportos deve ser logo retomado.
Também deverão ocupar lugar de destaque o ministro de Mina e Energia, Bruno Costa Lima Leite, pelas próximas rodadas de licitação de petróleo, assim como pela privatização, não muito clara, das empresas do setor elétrico, lideradas pela Eletrobrás.
A ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina, merece destaque, não só pelo vigor do setor, como também pelas atribuições estranhas ao cargo recebidas, no campo da política ambiental e da demarcação de terras indígena. Como se não bastassem os “pepinos” da pasta, Tereza Cristina vai ter que lidar com problemas e conflitos estranhos ao ministério.
Não têm como passar despercebidas, por representar opções mais conservadoras, com viés religioso, as atuações dos ministros da Educação, Ricardo Velez Rodrigues (a educação básica será uma das prioridades do governo, segundo Bolsonaro), das Relações Exteriores, Ernesto Araújo (um “fio desencapado”), e da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves (uma pastora evangélica).
O ministro da Casa Civil, Onix Lorenzoni, é um caso especial, pelas funções de coordenação de governo e de articulação política com o Congresso. Para o exercício de tais funções, o ministro deve ser firme e contar com o apoio inabalável do chefe, o presidente da República. Onix deve boas explicações sobre denúncias de caixa 2 no âmbito da Lava Jato e já foi desautorizado algumas vezes por Bolsonaro, o que o enfraquece como coordenador das ações de governo e como articulador político.
Ações prioritárias
Um documento divulgado semana passada pelo Gabinete de Transição, coordenado pelo ministro Onix Lorenzoni, relaciona ações prioritárias do governo e dá ênfase aos primeiros 100 dias de governo, que se completam em 11 de abril. Se tudo der certo, haverá uma cerimônia para reverberar as ações de governo no período.
O documento aponta dois foros de governo, que vão se reunir semanalmente, indicando a intenção de um trabalho administrativo conjunto. São eles o Conselho de Governo, formado por presidente, vice-presidente e ministros de Estado, com reuniões às terças-feiras, e as Reuniões de Alinhamento. Estas reuniões formam grupos de ministros, sempre com sob a coordenação da Casa Civil, e têm, inicialmente, periodicidade quinzenal. São conjuntos, aparentemente, sem muita afinidade. Caberá ao ministro Onix Lorenzoni produzir o almejado alinhamento.
Do primeiro grupo de participam os ministros da Agricultura, Advocacia-Geral da União, Banco Central, Cidadania, Ciência, Tecnologia Inovações e Comunicações, Defesa e Desenvolvimento Regional.
Estão no segundo grupo os ministros dos Direitos Humanos, Economia, Educação, Gabinete de Segurança Institucional, Infraestrutura, Meio Ambiente e Minas e Energia.
No terceiro grupo de alinhamento constam os ministros das Relações Exteriores, Saúde, Justiça e Segurança Pública, Secretaria de Governo, Secretaria Geral, Transparência e Turismo.

Mexer no Sistema S requer sensibilidade de Guedes e equipe

Sabe a piada do estúpido?
O estúpido foi a um almoço oferecido por empresários da indústria na cidade do Rio de Janeiro e defendeu a necessidade de se “enfiar a faca” no Sistema S, financiado pelas empresas com o objetivo central de capacitação profissional.
O futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, não estava fazendo graça quando deu essa declaração, na segunda-feira, em almoço na Federação da Indústria do Rio de Janeiro (Firjan), embora, aparentemente, tenha mirado na repercussão das palavras ditas ao microfone.
Guedes ganhou as manchetes, mas não a simpatia dos empresários para uma ideia que já havia divulgado quando a transição de governo dava os primeiros passos, logo no início de novembro.
Como disse Marcos Cintra, que vai assumir a Receita Federal ou coisa que o valha, não há nada definido. Isso faz parecer ainda mais estranho que Paulo Guedes, na condição da grande estrela do almoço da Firjan, tenha resolvido “puxar a faca” para atacar o Sistema S.
Instituição cobiçada
O sistema existe desde 1940. É formado por nove instituições de direito privado, quase todas vinculadas a confederações patronais, a exemplo do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), Serviço Nacional da Indústria (Senai) e Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Senat).
Os recursos, que chegam a R$ 19 bilhões por ano, entre repasses da Receita Federal (R$ 17 bilhões), com base em impostos pagos pelas empresas, e destinações feitas diretamente pelas empresas, são alvo da cobiça do Poder Público.
Em 2003, no início do governo Lula, quando o ex-sindicalista Jair Meneghelli assumiu o Serviço Social da Indústria (Sesi), o então presidente da Câmara, João Paulo Cunha, também de origem sindical, avisou ao presidente da CNI, Armando Monteiro: “Nós vamos mexer no Sistema S.”
Faltou dizer que Jair Meneghelli fez curso de ferramentaria no Senai, quando começou a trabalhar no ABC Paulista.
Meneghelli ficou oito anos na presidência do Sesi, onde ganhou um bom dinheiro. Lula não mexeu no Sistema S. Dilma Rousseff bem que tentou, por intermédio de Joaquim Levy, que foi ministro da Fazenda no início do seu segundo mandato, em 2014, mas a proposta do Executivo não chegou a ser enviada ao Congresso.
Mexer no Sistema S não é medida simples, uma vez que as contribuições dos empregadores destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional estão previstas na Constituição. Mexer na Constituição exige sensibilidade e convencimento. Não é propriamente “enfiar a faca”, para repetir as palavras de Paulo Guedes.
Não está claro o que Guedes e equipe querem com isso. Guedes falou em corte, de 30% a 50%. Marcos Cintra faz menção a algo mais amplo, no sentido de uma política de desoneração da folha de pagamento.
Pode ser, mas, a princípio, a transferência da qualificação profissional do Sistema S para empresas especializadas apenas muda a fonte da oneração
O Sistema S tem distorções e desvios de finalidade que precisam ser corrigidos, tais como os prédios suntuosos, as mordomias e os almoços, como este da Firjan, para o qual Paulo Guedes foi convidado como a grande atração.
Os bons serviços prestados e a relevância do papel desempenhado nas regiões mais pobres do país merecem, contudo, ser tratados com mais atenção e sensibilidade.
Lembrai-vos dos médicos cubanos e do trabalho de interiorização que faziam.