Acredite se quiser: aprovação da reforma gera crise entre poderes

Foi só o Senado aprovar em primeiro turno a proposta de Reforma da Previdência e se abriu uma crise de proporções incalculáveis entre a Casa e o governo. Imagine o senhor ou a senhora se a reforma tivesse sido rejeitada? Talvez nem estivéssemos mais aqui para fazer e/ou ler esses comentários.

Muito se esperava da aprovação da reforma, menos que pudesse abrir uma crise entre poderes.

É verdade que o Senado também aprovou um destaque que retirou do texto da reforma uma mordida no abono salarial anual de baixa renda, que deixaria de beneficiar aqueles trabalhadores com remuneração de até dois salários mínimos (R$ 1.996), atendendo à faixa até R$ 1.364,43. A mudança caiu e o abono anual continuará a ser pago para quem ganha até dois salários mínimos. O destaque recebeu 30 votos, enquanto o texto base da reforma só teve 19 votos contrários.

A equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, que ensinou os observadores e até mesmo os parlamentares a acompanhar o andamento da Reforma da Previdência pela calculadora, revelou que a economia esperada em dez anos caiu R$ 76 bilhões. A avaliação que os senadores fizeram do mérito da medida (42 disseram sim a ela, ante 56 que aprovaram o texto base) não foi levada em conta.

Guedes é conhecido pelo pavio curto, como bem sabem os deputados de oposição, que gostam de provocá-lo nas audiências públicas. Irritado, ele sai do roteiro e parte para cima. No dia seguinte à aprovação do destaque no Senado, o ministro cancelou reuniões que tinha agendadas com bancadas de senadores do PSD, PP e MDB, para que não pairassem dúvidas sobre o seu aborrecimento.

Segundo turno

No Senado, o provável adiamento do segundo turno da Reforma da Previdência para a segunda quinzena de outubro não deve ser atribuído à eventual crise, mas à resistência de partidos de oposição a apoiar a quebra de interstício (intervalo de cinco dias para a volta da matéria à pauta depois de encerrado o primeiro turno).

A insatisfação não reside aí, mas no chamado Pacto Federativo - bandeira criada no Senado para levar mais recursos para estados e municípios. A divisão de recursos do leilão da cessão onerosa do pré-sal, previsto para novembro, está no centro da discórdia do Senado com o governo e também com a Câmara.

Já se nota em articuladores do governo um movimento para deixar a poeira baixar e evitar movimentos que possam comprometer ainda mais a Reforma da Previdência. A partilha da cessão onerosa foi um compromisso assumido por Bolsonaro e Guedes em reunião com governadores realizada em novembro, portanto, antes da posse do presidente eleito.

É preciso habilidade na negociação, pois de nada adianta chorar o leite derramado.

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Jereissati mantém foco na proposta principal da Previdência

O relator da Reforma da Previdência no Senado, senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), quer se dedicar à votação desta matéria (PEC 06/19) até o final do segundo turno, que deve ocorrer por volta de 15 de outubro. Só então ele pretende dar andamento à chamada PEC Paralela (PEC 133/19), da qual também é relator, cuja aprovação final no Senado ele estima para o final do ano. A PEC 133 está em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça da Casa.

Aprovada em primeiro turno nesta terça-feira por 56 votos a 19, PEC 06, que representa a essência da Reforma da Previdência, deve ser promulgada na segunda quinzena de outubro. O segundo turno de votação pode sofrer algum atraso, pois há indícios de que os senadores vão aumentar a pressão sobre o governo para obter recursos para estados e municípios. Os recursos do leilão da cessão onerosa do pré-sal, previsto para novembro estão no centro das atenções de senadores, bem como de deputados.

A PEC Paralela ainda terá uma longa tramitação na Câmara, já sendo vista com ceticismo por senadores de oposição, que não acreditam no empenho dos deputados para viabilizar essa complementação da reforma.

A proposta tem como carro-chefe a permissão para que estados e municípios adotem, em seus regimes próprios de previdência (referente aos servidores públicos), as mesmas regras que a União vai passar a aplicar em seu regime próprio a partir da Reforma da Previdência. Na tramitação na Câmara, vai caber sobretudo aos governadores interessados trabalhar pela aprovação da proposta.

Mesmo no Senado, onde foi concebida, a PEC Paralela não deve ter uma tramitação facilitada. A revisão de renúncias previdenciárias para o agronegócio exportador e para entidades no setor de educação deve ser alvo de intensas pressões. Ao mesmo tempo, a PEC representa uma nova oportunidade para a oposição alterar a Reforma da Previdência.

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Guedes lança no Congresso desafio de controlar Orçamento

O desafio de controlar os orçamentos públicos pode levar o Congresso Nacional a entrar para a história. Quem aponta este caminho para deputados e senadores é o ministro da Economia, Paulo Guedes, que lança, assim, uma nova campanha para difundir proposta que defende publicamente desde antes da posse do governo Bolsonaro, quando assumiu o comando da economia: a desindexação das receitas orçamentárias.

Guedes revela que ouviu a expressão “Vamos para a história” de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), que ele não nominou.

Na primeira audição, na Comissão Mista do Orçamento, onde o ministro foi prestar esclarecimentos sobre a proposta de Orçamento para 2020, o convite para ingressar na história não despertou entusiasmo de Suas Excelências. Os membros da comissão, acostumados a enxergar verbas nas entrelinhas das planilhas, pediram mais detalhes sobre a essência das propostas, como seriam encaminhadas etc.

Os números do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA – 2020) justificam a preocupação do ministro da Economia. As despesas obrigatórias representam 94,0% da despesa primária, ao passo que as despesas discriminatórias, a exemplo do custeio da máquina, respondem por 6,0%.

Para investir, o Executivo vai dispor de R$ 19 bilhões, o que é assustador, considerando que as emenda de bancada impositivas reservam R$ 15 bilhões, e impõe ao Poder Público buscar outras formas de financiamento, acelerando as concessões e privatizações.

Paulo Guedes lembra o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, para quem o Orçamento poderia ser gerido por um software simples, já que os recursos estão todos comprometidos.

Na área econômica, fala-se em uma PEC DDD, que abrangeria a desindexação de recursos, a desvinculação (reajustes automáticos) e a desobrigação de despesas.

Guedes inclui as propostas no chamado Pacto Federativo, acredita que elas devam ser lançadas depois da Reforma da Previdência e que iniciem a tramitação pelo Senado.

O ministro sabe que essa linha de ação tem limitações e observa que o presidente Jair Bolsonaro já disse que não vai admitir desindexar o salário mínimo. Guedes acrescenta à lista de exceções a educação básica e a saúde

Ainda assim, ele cita uma infinidade de penduricalhos, que engessam o orçamento, a exemplo dos cerca de 280 fundos públicos que aponta.

Constituintes

O ministro Paulo Guedes estabelece a Assembleia Nacional Constituinte (1987-1988) como marco zero de seu discurso reformista. Naquele momento histórico ele diz que era adequado carimbar recursos públicos. Passados mais de 30 anos, não faria mais sentido este “empoçamento”, que em 2018 foi de R$ 23 bilhões.

O problema do DDD é antigo e os economistas que estiveram à frente da implantação do Plano Real, nos idos de 1994, classificaram como peça fundamental para viabilizar o plano a desvinculação de receitas. O primeiro instrumento com este objetivo recebeu o nome de Fundo Social de Emergência, muito embora não fosse social nem de emergência. O fundo recebeu outras denominações ao longo do tempo, sendo atualmente chamado de Desvinculação de Recursos da União (DRU).

Como prova de que a vinculação não ficou restrita aos constituintes, desde os anos 90 são inúmeras as iniciativas parlamentares (algumas exitosas) de retirar receitas deste instrumento, vale dizer, de vincular o desvinculado.

Em outra vertente, deve-se registrar que data de 2000 a Emenda Constitucional que assegura os recursos mínimos para o financiamento das ações e serviços públicos de saúde (EC 29/2000).

É bem contemporânea a visão parlamentar no sentido de que a melhor forma de assegurar a destinação de recursos é constitucionalizá-los.

O ministro Paulo Guedes sabe disso e reforça o recado quando declara que “a decisão de carimbar [recursos] já não é mais sensata”. Ele sustenta que “está na hora de mudar esse software”.

Teto de gastos

Guedes considera que a principal razão para os problemas fiscais do país foi o descontrole dos gastos públicos nos últimos 40 anos. Contrariando algumas visões que defendem a flexibilização da Emenda Constitucional que estabeleceu o teto de gastos (EC 95/16), ele disse que a saída do país não está em furar o teto, mas em quebrar o piso dos gastos.

Na apresentação da proposta orçamentária, o secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, mostrou que cresceu, em relação a este ano, a insuficiência de recursos para cumprir a Regra de Ouro, segundo a qual o volume de empréstimos do setor público não pode superar as despesas de capital. Se neste ano as despesas condicionadas somavam R$ 258,1 bilhões (uma operação de crédito suplementar foi aprovada pelo Congresso para suprir este rombo, para 2020 as despesas condicionadas chegam a R$ 367,03 bilhões. Com isso, no ano que vem, o Executivo terá que ao Legislativo nova autorização para descumprir a Regra de Ouro, aprovando um crédito suplementar neste volume.

Na proposta orçamentária, estão condicionadas à aprovação desse crédito as seguintes receitas:

▪ Benefícios previdenciários – R$ 156,5 bilhões
▪ Pessoal e encargos sociais – R$ 104,6 bilhões
▪ Bolsa Família – R$ 9,0 bilhões
▪ Subsídios e subvenções econômicas – R$ 6,7 bilhões
▪ Compensações à Previdência Social pelas desonerações – R$ 5,0 bilhões
▪ Seguro-desemprego – R$ 10,3 bilhões
▪ Sentenças OCC (sentenças judiciais) – R$ 20,4 bilhões
▪ Complementação Fundeb – R$ 6,6 bilhões
▪ Financiamento de campanha eleitoral – R$ 1,2 bilhão
▪ Benefícios aos servidores – R$ 3,4 bilhões
▪ Despesas obrigatórias com controle de fluxo – R$ 25,4 bilhões
▪ Despesas discricionárias do Poder Executivo – R$ 17,5 bilhões

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Falta convergência para propostas de Reforma Tributária

O ótimo andamento da Reforma da Previdência no Congresso leva a crer que a porta está aberta para aprovação de outras reformas, a começar pela Reforma Tributária. Não é bem assim. Falta muito para haver convergência entre os defensores da simplificação dos tributos e há resistências muito organizadas para manter conquistas, como é o caso dos incentivos fiscais para a Zoa Franca de Manaus.

Reforma Tributária, cada um tem a sua. No Congresso, até a legislatura passada, dizia-se isso da Reforma Política. A Reforma da Previdência, que está sendo aprovada pelo Senado, surgiu do entendimento majoritário da necessidade de criação de uma idade mínima para a aposentadoria no Regime Geral (a joia da coroa).
Na Reforma Tributária, a necessidade de racionalização do sistema poderia ser apontada como o ponto de partida, mas é preciso amadurecer o entendimento em torno dessa racionalização.

Se houver foco, isso ainda leva algum tempo. Em 2020 teremos eleições municipais e ninguém vai querer reformar impostos nessa temporada, a não ser para levar mais recursos para os municípios. No ano seguinte, será ainda mais difícil promover a mobilização do Congresso por uma agenda de reformas. As pessoas já estarão pensando no próprio futuro, se é que algum dia deixaram de pensar nisso.

É provável que as complicações do sistema tributário tenham feito surgir tantos especialistas quantos agora se nota, imbuídos do propósito de desembaraçá-lo. Na outra ponta há um exército de advogados tributaristas, gerado em razão deste emaranhado de leis e de outras normas.

Não se deve menosprezar aqueles que participam dos debates da Reforma Tributária defendendo um mínimo de mudanças, com a manutenção do federal Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), do estadual Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e do municipal Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS).
Osíris Lopes Filho, que foi Secretário da Receita Federal e caiu, em 1994, quando mandou examinar a carga trazida dos Estados Unidos pela Seleção Brasileira de Futebol que acabara de conquistar o tetracampeonato mundial, dizia que “Imposto bom é imposto velho”. Osíris faleceu há pouco mais de dez anos.

Os que sustentam atualmente esta bandeira conservadora ainda defendem a manutenção dos incentivos fiscais e a cobrança do ICMS na origem, na contramão do discurso reformista mais em voga, que propõe toda a cobrança do imposto estadual no destino.

A bancada dos estados da Amazônia é a mais mobilizada nesse estágio de discussão da reforma. Teme-se que o fim dos incentivos represente o fim da Zona Franca. O lobby é forte, como atesta a validação dos incentivos da Zona Franca até 2073.Em 2014, aprovou-se uma PEC prorrogando os incentivos por 50 anos, mas o atual governo não demonstra simpatia por políticas de incentivos fiscais em geral e pela Zona Fraca, em particular.

Propostas em profusão

Diferentes visões da Reforma Tributária criaram a situação vivida pelo Congresso, onde tramitam duas propostas: uma na Câmara e outra no Senado. Claro que as coisas não são tão simples assim, especialmente neste mundo. Tem ainda a disputa pelo protagonismo, a fogueira de vaidades, o jogo de interesses e outros pecados mais.

As duas propostas (do ex-deputado Luiz Carlos Hauly, no Senado, e do Centro de Cidadania Fiscal - CeCIf, na Câmara), em linhas gerais, criam um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) para substituir uma penca de tributos. Ambas preveem um período de testes do IBS, de um ano, a primeira, e de dois anos, a da CeCIF. E um período de transição para os impostos visados, que é de cinco anos na proposta Hauly e de dez anos na PEC da CeCIF, apresentada formalmente pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP).
Tem mais: o governo, pelas mãos do ministro da Economia, Paulo Guedes, e este pelas mãos do secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra, promete, há algumas semanas, enviar ao Congresso a sua proposta de Reforma Tributária.

O problema da proposta do governo é que seus agentes defendem a criação de uma Contribuição sobre Pagamentos (CP), nos moldes da antiga CMPF, extinta por obra e graça do Congresso no final de 2007. Fala-se em uma alíquota de 1% (a CPMF morreu com 0,38%).

Quando o Ministério da Economia começa uma conversa falando em CPMF ou coisa que o valha, a rejeição à contribuição toma conta de tudo, ofuscando a ideia da própria reforma. Ao invés de Reforma Tributária, passa-se a discutir a volta da CPMF (CP para os íntimos).

Nova PEC

Recentemente, surgiu no gramado em frente ao Congresso um outdoor inflado da Frente Parlamentar Mista da Reforma Tributária em apoio à PEC 128/19. O outdoor tem o patrocínio da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) e da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco).

A PEC foi apresentada pelo deputado Luís Miranda (DEM-DF) em 16 de agosto. Bem ao gosto dos patrocinadores (e não vai aqui nenhum juízo de valor), a proposta privilegia a tributação sobre ganhos e lucros em desfavor da incidência tributária sobre o consumo.

É curioso que o autor pertença ao DEM e que não seja auditor fiscal. Luís Miranda se apresenta como empresário, comunicador e consultor. Figura polêmica, Miranda é um Yotuber, sem maiores vinculações com a questão tributária.

No Congresso, a esquerda defendia que a Reforma Tributária fosse discutida antes da previdenciária e perdeu, mas manteve o discurso. O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) avalia que a discussão de um imposto sobre consumo funciona como um Robin Hood às avessas, tirando dos pobres. Em nome do PT, Paulo Teixeira defende a tributação sobre a renda e sobre o patrimônio, a instituição de um imposto sobre lucros e dividendos, a discussão da correção da tabela do Imposto de Renda e a criação do imposto sobre herança.

Gato escaldado

O ex-governador do Rio Grande do Sul (2003-2006), Germano Rigotto até hoje lamenta não ter contado com o apoio do Governo FHC para aprovar uma proposta de Reforma Tributária que defendeu pelo país afora em 2001, na condição de presidente de Comissão Especial da Câmara dos Deputados. Assim como “gato escaldado tem medo de água fria”, Rigotto, que foi deputado federal por três mandatos, garante que não se faz Reforma Tributária sem o envolvimento do governo federal na construção da proposta.

Paulo Rabello de Castro, que presidiu o BNDES no Governo Temer, faz um discurso sui generis em relação à Reforma Tributária. Bom expositor, ele diz que os deputados vão “apanhar na rua” se aprovarem a reforma que tramita na Câmara, porque vão manter, pelo tempo que durar a transição, uma porção de tributos que ele chama de “zumbis” e acrescentar mais dois: o Imposto sobre Bens e Serviços e o imposto seletivo, que na proposta da Câmara tem como objetivo desestimular o consumo de determinados bens e serviços.

Rabello de Castro defende uma nova repartição de receitas, destinando toda a arrecadação do Imposto de Renda (R$ 384 bilhões) para o governo federal, que assim poderia fazer política fiscal sem se preocupar com a partilha, e repartindo com estados e municípios as receitas da CSLL, PIS e Cofins (R$ 380 bilhões). Ele mantém o ICMS, com 4% na origem, os incentivos fiscais e a Zona Franca de Manaus. O destaque da proposta apresentada pelo ex-presidente do BNDES é a Operadora Nacional de Distribuição da Arrecadação (ONDA).

O receituário apresentado por Rabello de Castro acena com um resultado que hoje parece mirabolante: crescimento do PIB de 3% a.a., criação de 1 milhão de empregos/ano e crescimento industrial de 4% a.a. Hoje é zero.